No dia 19 de Fevereiro de 1917, João de 22 anos, jovem serralheiro de Ponte da Barca, está longe de imaginar a volta que a sua vida iria dar. Ponte da Barca, é uma vila do norte de Portugal, mais próxima de Espanha do que de Lisboa, e é banhada pelo rio Lima. Poucas coisas são conhecidas da sua juventude, como a vida simples que leva ao lado da sua mãe e irmãos. O seu pai é polícia em Figueiras.
Ele abandona a vila da sua infância para embarcar a 22 de Fevereiro com os outros soldados do Corpo Expedicionário Português (C.E.P). A formação que recebeu em Tancos, algum tempo antes, permite-lhe obter o título de Caporal. Ele desembarca em Brest a 26 de Fevereiro, com 20 graus celsius negativos. Difícil de acampar no local com tal metrologia; o grupo embarca assim em carruagens destinadas ao transporte de animais e efectua os últimos 853 quilómetros em 20 horas.
Uma vez chegado nos arredores de Air-sur-la-Lys, João Manuel completa a sua formação militar num dos campos do sector até Junho de 1917. No dia 9 de Junho, encontra-se em La Couture e passa para a linha da frente no dia 15. Ele não dirá nada à sua família deste período terrível da sua vida. Mais tarde, os seus filhos virão a contar que a cada vez que ele e os seus amigos das trincheiras se encontravam, falavam da guerra mas sempre em português, língua que ele se recusara a ensinar aos seus filhos.
Entre 1917 e 1918, João Manuel encontra-se muitas vezes na linha da frente, no sector da Ferme du Bois, em La Couture e Neuve-Chapelle. Ele é agora um simples soldado, mas armeiro. Na realidade, ele perdeu o seu grau no seguimento de vários actos de rebelião, julgados hoje em dia benignos, mas considerados como suficientes na época. De referir que os actos de insubordinação são frequentes no exército português e frequentemente duramente reprimidos pelos graduados. O seu acto de rebelião? Ter-se rebelado contra as marchas demasiado duras dos britânicos.
Felizmente, no coração da tormenta, existem as licenças. Em Portugal? Muito longe! São organizados nas traseiras do campo de batalha. Ali, os soldados de todas as nacionalidades são acolhidos nas herdades, para felicidade relativa dos proprietários. Os soldados do CEP são enviados para os sectores do Pont du hem, La Gorge, Lestrem, Ecquedecques, Mametz. Para João, será em Ecquedecques, mais precisamente na granja da herdade Beugny. Cada dia, ele vê evoluir as numerosas crianças da família, ocupando-se das tarefas diárias. Entre elas, uma pequena morena de 16 anos, Mélanie. Foram os seus grandes olhos negros ou a sua personalidade bem marcada, que o seduziram?
No final da guerra, João e os seus camaradas devem regressar. No momento de apanhar o barco, ele decide ficar em Ecquedecques. Mélanie está muito contente. O seu pai, muito menos. Nem pensar em casamento ! Ela é muito nova. É assim que durante dois anos o jovem rapaz é hospedado no corredor da casa de Beugny. Ele trabalha como mineiro. No dia 17 de Setembro de 1920, às 7 horas da manhã, João e Mélanie casam-se. Da sua união nascerão 15 crianças.
João falece em 1975, aos 84 anos.
Aurore Rouffelaers
Comissária da Exposição
Fonte : história pessoal do autor.